“O Rio de Janeiro é uma natureza que se tornou cidade, e é uma cidade que dá impressão de natureza”
Stefan Zweig, 1941
Em 2012, a cidade do Rio de Janeiro teve partes de seu território inscritas na lista de Patrimônio Mundial como paisagem cultural. A inscrição de um bem como paisagem cultural foi possível a partir de 1992, quando essa tipologia foi criada pela UNESCO para inscrever sítios nos quais o valor de patrimônio mundial está centrado na relação natureza e cultura. Até a inscrição do Rio de Janeiro, nenhuma grande cidade havia sido inscrita como tal. Nesta tipologia têm sido inscritas muitas áreas rurais exuberantes, como as paisagens cafeeiras da Colômbia ou os terraços de arroz das Filipinas. Também foram inscritos parques, muitos parques, numa celebração da arquitetura da paisagem.
O Rio de Janeiro foi a primeira área urbana que teve grandes áreas públicas e parques inscritos em série nessa tipologia, incorporando uma parte significativa da cidade com eles. Como na epígrafe emprestada de Stefan Zweig que está presente também no dossiê de candidatura, a inscrição da cidade na UNESCO coloca luz sobre séculos da relação, nem sempre harmônica, é preciso dizer, dos grupos humanos com essa natureza já exuberante, que produziu um espaço urbano absolutamente único no mundo, onde a natureza, trabalhada pela sociedade, exerce um papel importante em vários aspectos. Portanto, apesar do encantamento deslumbrado que qualquer um tem ao olhar para a cidade desde o alto do Corcovado, não são apenas belas vistas que compõem o valor do Rio declarado pela UNESCO, mas também como os grupos humanos agenciaram e agenciam esse espaço, como a sociedade vive essa paisagem, em todas as suas contradições.
Mais do que um título de reconhecimento, a inscrição pela UNESCO representa uma exigência da necessidade de proteção. A UNESCO ela não protege nada, em nenhum país. Cabe aos Estados que colocam suas candidaturas, em primeiro lugar, provar o valor como patrimônio mundial do sítio em questão, o que nos regulamentos do patrimônio mundial chamamos de “declaração de valor universal excepcional”. É preciso demonstrar a partir de um complexo dossiê de que forma aquele sítio representa um valor para toda a humanidade, sendo o melhor representante desse mesmo valor. É necessário também instruir com relação à autenticidade e integridade do sítio no que diz respeito aos valores declarados. Por fim e tão importante, cabe dar provas de que existe um sistema de preservação que dá conta de preservar os valores declarados. É aqui que está o ponto central, o bônus, mas também o ônus, de um sítio patrimônio mundial.
A ideia das candidaturas a patrimônio mundial é que a busca pelo título possa estimular sociedades a construir sistemas de proteção para estes bens e que isso possa servir de alguma forma para o seu desenvolvimento sustentável. Entretanto, uma vez o título dado, é necessário garantir que essa proteção seja efetivada, com a participação da sociedade. Um título meramente honorífico não nos serve muito e nem permanecerá por muito tempo. No Rio de Janeiro, nesses agora quase nove anos na Lista do Patrimônio Mundial, coisas foram feitas e alguns avanços tivemos, mas nem todos os compromissos foram realizados, garantias de proteção têm sido revistas ou ameaçadas e, principalmente, faltou avançar no diálogo sobre a participação da sociedade no que esse título representa e na sua gestão. Uma vez que está claro para a UNESCO que “beleza não põe mesa”, é preciso avançarmos na construção de um comitê gestor da paisagem, processo bruscamente interrompido, assim como na discussão sobre uma gestão verdadeiramente compartilhada para este sítio, nossa principal promessa para a UNESCO e para a sociedade que financiou todo esse processo. A conquista do título foi apenas um passo, é preciso que continuemos caminhando.
Fotos e Texto: Rafael Winter Ribeiro
Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Geografia da UFRJ (PPGG/UFRJ); Coordenador do Núcleo Estadual do Conselho Internacional de Monumentos e Sítios no Rio de Janeiro (ICOMOS-BR).