Patrimônio, memória e tradição - a cerâmica figurativa de Taubaté

Patrimônio, memória e tradição - a cerâmica figurativa de Taubaté

Vários autores que se dedicaram à pesquisa sobre a produção artística e artesanal brasileira são unânimes quanto à influência portuguesa no desenvolvimento da cerâmica popular no Brasil, principalmente no tocante aos missionários jesuítas e franciscanos. Foram estes últimos que exerceram relevante atuação no desenvolvimento da produção de cerâmica figurativa na região de Taubaté (SP), especialmente a partir da produção de presépios. Foi a prática cristã de armar presépios que fez com que a cerâmica figurativa, desenvolvida principalmente por pessoas das camadas populares, se instaurasse na cidade.

Saci – Valentina Moura
Divino – Arlete Sampaio
Mulher tirando água do poço – Alice Santos
Poleiro – Ângela Sampaio
Presépio – Arlete Sampaio
Valentina Moura

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Atualmente, a produção de cerâmica é a atividade característica do grupo de artistas conhecidos como “figureiros de Taubaté” que, embora motivados inicialmente por uma devoção religiosa baseada nas peças para presépios, expandiram sua produção abrangendo também temáticas não religiosas.

Constituído majoritariamente por grupos familiares e organizados por meio da Associação conhecida popularmente como Casa do Figureiro, com sede e loja próprias, esses artistas populares dão continuidade a uma tradição secular do Vale do Paraíba. Seus trabalhos, ao mesmo tempo em que expressam elementos enraizados na cultura tradicional brasileira, podem ser entendidos também como registros de memória de uma vida cotidiana compartilhada no bairro Imaculada Conceição, local de moradia de várias gerações de figureiros.

Grande parte das experiências socioculturais vividas no Vale do Paraíba são materializadas nas peças de barro cru, onde encontraremos temáticas do cotidiano do trabalho masculino e feminino, brincadeiras infantis e eventos religiosos e/ou festivos. Essas temáticas, que abarcam os costumes, as crenças e os regionalismos, reforçam o caráter de bem cultural dessa produção, onde o tradicional surge como uma categoria que indica uma continuidade no tempo e uma unidade no espaço, fundamentando a memória e a identidade não apenas dos figureiros, mas de todo o Vale do Paraíba.

Por outro lado, o passado a que se refere essa tradição é, em alguns aspectos, relativizado, pois não é reificado como a única possibilidade de referência artística artesanal. Esta, por sua vez, abrange os costumes, crenças e regionalismo tanto do passado quanto do presente, pois é tudo “aquilo que você tem dentro da região, dentro do lugar, dentro da cidade. Aquilo que você vê aqui”, como destacou o figureiro Décio de Carvalho. É a relativização do passado que dá ao artista e artesão a liberdade de criar seus próprios trabalhos sem fugir da tradição.
Os figureiros de Taubaté são agentes que materializam, a partir da sua produção, a memória de um lugar e de um cotidiano comum a um grupo de pessoas. Reforçam e dão continuidade aos saberes e modos de fazer transmitidos de geração em geração, contribuindo ativamente para a salvaguarda do patrimônio cultural brasileiro.

Por Valéria Aquino
(Instituto de Artes – UERJ)