Cabem muitas Bahias e muitas Angolas no estado do Rio de Janeiro. Percorrendo as cidades do estado, é fácil encontrar, em algum trecho de rua, no meio de alguma praça, uma baiana de acarajé ou uma roda de capoeira. Pois a Praça das Nações, em Bonsucesso, plena zona norte da capital fluminense, é aquinhoada tanto com uma Bahia quanto com uma Angola. De dia, é Dona Cidinha – no tabuleiro da baiana tem…; `a noite, é a roda do Professor Pimpolho – zum, zum, zum, capoeira mata um.
Tudo parecia ir bem, assim, na Praça das Nações, quando um poço de vigia do Coletor Tronco Faria – Timbó foi projetado para ser construído justamente ali e a obra de um poço de vigia é uma obra a céu aberto. Acontece que uma obra a céu aberto ocupa espaço, interdita passagens, levanta poeira, faz barulho e isso tudo não pode, de jeito nenhum, interferir com a Bahia e a Angola da Praça das Nações, que, além de serem patrimônio cultural fluminense, são patrimônio cultural nacional. O Iphan não permite e manda verificar. Se a obra vai invadir o espaço de D. Cidinha ou da roda do Professor Pimpolho, não pode, tem de desviar; se vai empoeirar os acarajés de D. Cidinha ou se o barulho vai espantar a sua freguesia, também não pode, tem de dar um jeito de isso não acontecer.
Pois é, parecia mesmo que ia tudo bem na Praça das Nações… só que não ia. Antes de a obra sequer começar, a COVID se encarregou de espantar todo mundo de lá: D. Cidinha e a sua freguesia; Professor Pimpolho e os seus capoeiristas. A obra vai começar e terminar antes de a COVID ir embora. Assim, já não importam nem a ocupação de espaços nem a interdição de passagens, nem poeira nem barulho. A COVID ganhou de tudo isso, mas não para sempre. Logo, D. Cidinha e Professor Pimpolho estarão de volta.
Imagem 1: Aspecto da Praça das Nações, em Bonsucesso, RJ. Foto: Marcelo Eme. Fonte: Acervo Scientia.
Imagem 2 e 3: Professor Pimpolho e D. Cidinha sendo entrevistados sobre sua visão acerca dos impactos da obra do poço de vigia sobre suas atividades. Foto: Marcelo Eme e Ilza Lima. Fonte: Acervo Scientia.
Imagem 4: Victor Lobisomem, lendo um trecho do seu Cordel sobre Madame Satã. Foto: Marcelo Eme. Fonte: Acervo Scientia.
Devido às obras de complementação da instalação dos troncos coletores de esgoto sanitário no Norte Fluminense atravessarem o campus da Fiocruz e alguns bairros da Zona Norte da cidade do Rio de Janeiro, o IPHAN, em vista da possibilidade de existência de bens culturais registrados (Ofício dos Mestres de Capoeira e Roda de Capoeira, Ofício das Baianas de Acarajé e Literatura de Cordel) e seus detentores em locais próximos às obras, determinou que fosse feito um estudo de Avaliação de Impacto ao Patrimônio Imaterial (RAIPI) na área de influência do empreendimento. Esse estudo foi realizado entre fins de 2020 e início de 2021.
Por Carlos Eduardo Caldarelli