Resistir para existir: a igreja de São Daniel Profeta na favela de Manguinhos

Resistir para existir: a igreja de São Daniel Profeta na favela de Manguinhos

Arquiteto Éric Gallo, mobilizador da Comissão de Preservação da Igreja de São Daniel Profeta, apresentando o selo comemorativo de 60 anos de inauguração da igreja, em 2019.
Missa em comemoração aos 60 anos da igreja de São Daniel Profeta, em 2020, celebrada por Dom Orani Tempesta.

As cidades, desde seu surgimento, constantemente foram palco de disputas e desigualdades. O que no campo cultural tem se intensificado nos últimos anos, numa época sombria e de desvalorização do patrimônio público e cultural, a igreja de São Daniel Profeta, projetada pelo renomado arquiteto Oscar Niemeyer, situada em uma favela, carioca sofre desde sua gênese a pressão de uma desvalorização dado seu contexto socioterritorial.

Entorno na déc. 1960. Autor desconhecido.

Em um território marcado pela anomia, em meio às construções populares, a “hóstia”, como é identificada pela população por sua forma arquitetônica, foi intensamente invisibilizada pela sociedade, apesar de estar tombada nível estadual (desde 1966), quase seis anos após sua inauguração e a nível municipal (desde 1998), junto a outras obras de Niemeyer na cidade do Rio de Janeiro. Por essa singularidade, durante muitos anos, a igreja foi inserida em roteiros histórico-turísticos.

Vista do entorno da igreja, a partir da cobertura.

Sua configuração patrimonial atribuída não se dá somente por sua arquitetura, era considerada uma concepção harmoniosa, conciliando a arquitetura, a pintura e o décor modernos com os cânones da Igreja Católica, apesar de toda simplicidade. Seu interior, projetado por Heitor Coutinho, possuía diversas obras de artes, tais como: A Via Sacra, pintada por Alberto da Veiga Guignard; uma réplica da estátua do profeta Daniel, moldado do original de Aleijadinho que se encontra em Congonhas (MG); uma pia batismal em madeira de lei, oferecida pelo Museu de Ouro Preto ao Governo do Estado da Guanabara, além de uma imagem da Virgem com o menino Jesus.

Reunião de moradores e fiéis com parceiros institucionais da Fiocruz e Unisuam.

Pelo negligenciamento público, teve os atributos formais de sua arquitetura bastante alterados ao longo dos anos e seus bens (móveis e integrados) dissociados ou em mau estado de conservação e, em alguns momentos, comprometendo seus usos.

No entanto, configura-se como um espaço de identidade e pertencimento que ativa processos de construção e reconstrução de memória associados a ele pela comunidade.

 

 

 

Por Éric Alves Gallo
Arquiteto e Urbanista, mestrando pelo Programa de Pós-Graduação em Preservação e Gestão do Patrimônio Cultural das Ciências e da Saúde da Casa de Oswaldo Cruz (PPGPAT/COC/Fiocruz).