Atualmente, no século XXI, os bens ferroviários compõem a diversidade dos patrimônios reconhecidos em esfera nacional e ocupam a agenda de pesquisas acadêmicas. Porém, essa é uma situação historicamente recente. O primeiro tombamento nacional aconteceu no dia 30 de abril de 1954, em decorrência do centenário da E. F. Barão de Mauá. Uma ação que se mostrou mais política que de preservação e valorização. Praticamente um emplacamento simbólico do primeiro trecho ferroviário do Brasil, localizado em Mauá/RJ, sem grandes repercussões.
Apenas na década de 1980, a proteção dos bens ferroviários volta a ser considera no âmbito nacional. Então, a Rede Ferroviária Federal S. A. (RFFSA) implantou o Preserve, atendendo ao projeto do Ministério dos Transportes. A iniciativa foi transformada no Setor de Preservação do Patrimônio Histórico Ferroviário (Preserfe), em 1985. A partir dali, foram montados centros, núcleos, museus em vários estados do Brasil, além da produção de documentos técnicos normatizadores da preservação; materiais de divulgação da história da ferrovia; e, intervenções de conservação e restauro que se destacaram no setor. O Preserfe funcionou por mais de 10 anos, deixando um importante legado, sendo desestruturado de forma gradual na metade dos anos 1990.
Outra frente de preservação aberta na mesma década é no campo das associações civis. A ABPF, criada em 1977, estimulou a fundação de outras associações de preservação ferroviária (APFs) e inaugurou um método de operações com os remanescentes operacionais e históricos do trem, além da manutenção de uma próxima relação com as públicas.
A sistemática de reivindicações e reconhecimento tem seu início efetivo no começo de 1980, com o surgimento da Associação Brasileira de Preservação Ferroviária (ABPF) e do Programa de Preservação do Patrimônio Histórico (Preserve). Dessa forma, as ações sobre a proteção dos bens ferroviários são estendidas para além do agente tradicional, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). A sociedade civil passa a ter papel de influência nas políticas públicas que reivindicam memórias, identidades e cultura.
O percurso citado faz parte de um período distinto na construção de um espaço de afirmação para o patrimônio ferroviário que repercutiu em anos posteriores, colocando em debate, além do ato consagrado do tombamento como instrumento máximo de reconhecimento de bens históricos, até a introdução de novos elementos na composição da diversidade patrimonial. Para além de igrejas do período barroco, foi introduzido locomotiva a vapor, prédios antigos, estações e pátios no conjunto complexo de bens a serem apreciados como elementos formadores da cultura brasileira, colocando em xeque o próprio fazer preservacionista vigente.
A edição da Lei 11.483/2007 reconfigurou as ações em torno dos bens ferroviários, transformando o Iphan em gestor desse passado. Com a nova atribuição, o Órgão recuperou estratégias do Preserve/Preserfe e estabeleceu maior proximidade com as APFs, inclusive, criando novas formas de preservação, como a Lista do Patrimônio Cultural Ferroviário. Desde então, tem dedicado trabalho para responder à atribuição.
Tanto ainda resta a ser dito sobre a trajetória dos bens culturais ferroviários no mosaico de tipologias que formam o patrimônio nacional. Registro aqui algumas linhas como estímulo ao debate sobre o tema.
Por Lucina Ferreira Matos
Tecnologista em Saúde Pública – Fundação Oswaldo Cruz
Pós-doutora em História – Unesp
Doutora em História, Políticas e Bens Culturais – FGV/Cpdoc
Membro Projeto Memória Ferroviária – Unesp
Graduação Arquivologia – UFF
http://lattes.cnpq.br/2558306652010968