No Rio de Janeiro colonial, a transferência do conhecimento técnico português da cantaria foi fundamental para a construção da cidade. Rapidamente, os granitos e gnaisses encontrados nos maciços cariocas foram extraídos e afeiçoados para edificar fortificações, igrejas e residências, para além dos sistemas de abastecimento de água e pontes.
Das pedras europeias, os calcários portugueses, vindos como lastro de navio, assumem protagonismo na ornamentação e revestimento das edificações. Com o passar do tempo, o mármore italiano, das pedreiras da cidade de Carrara, branco e resistente, ultrapassa a condição de matéria prima de esculturas para compor as edificações.
Em algum momento da história, a CANTARIA passou a representar muito mais a arte de esculpir ornatos e obras artísticas, e menos, os elementos diretamente utilizados nas estruturas arquitetônicas. Buscando um retorno da ornamentação artística à funcionalidade, encontrei um singelo exemplo no Edifício Administrativo do Escritório de Representação do Rio de Janeiro do Ministério das Relações Exteriores (ERERIO), construído em 1908 no conjunto arquitetônico do Palácio do Itamaraty.
Projetado pelo engenheiro e arquiteto italiano, Tommaso Bezzi, a inserção de pedras naturais em toda a edificação teve um forte caráter funcional muito mais que ornamental. Especialmente nas fachadas, onde os chapins sobre platibandas, sobrevergas e cimalhas em argamassa de cal e areia foram especificados com espessura e projeção de duas polegadas. No trecho da projeção para fora do elemento arquitetônico, foram afeiçoadas pingadeiras (rebaixos longitudinais, na forma de canoa na face inferior) sob a mais perfeita técnica da cantaria.
Para esta inserção funcional escolheu-se o mármore Carrara, cujas propriedades físicas de porosidade e absorção de água são ideais para usos que envolvam prolongados contatos com as intempéries, com as águas meteóricas ou com a umidade do solo. Em Carrara, foram também efetuados muitos revestimentos externos, como pisos, rodapés e soleiras, para diminuir e retardar o contato da umidade com as alvenarias.
No caso dos chapins, juntam-se duas funcionalidades: a primeira reside na função primeira de proteger a construção contra intempéries, desviando a água para longe da superfície mais fragilizada e, a segunda função, vista na utilização da pedra Carrara com excepcional projeto de cantaria.
O que se coloca nesta pontual observação, é que, os ornatos e revestimentos externos desta edificação, são prioritariamente em argamassa pigmentada e o chapim, em pedra, foi projetado como elemento funcional de proteção, para a longevidade. Um belo ornato funcional.
Por Yanara Costa Haas
Arquiteta mestre em patrimônio cultural e especialista em restauração de elementos pétreos. Sócia-diretora da Restauro Carioca.