Por Paulo Sérgio Barreto* – Sociólogo
Desde a 2º Semana Fluminense do Patrimônio, em 2012, organizei, junto com várias instituições públicas, as “rodas de conversas” e “exposições itinerantes” sobre os mestres sabedores da cultura popular (pescadores, quilombolas, maricultores, rezadeiras, memorialistas, rendeiras, artesãos, trabalhadores do sal, seresteiros e membros de folguedos etc.) em Arraial do Cabo, Cabo Frio, São Pedro da Aldeia, Armação dos Búzios e Araruama. Posteriormente, criei várias salas expositivas nas residências, paióis, ateliês e nos coletivos do Circuito dos mestres sabedores da cultura popular na Região dos Lagos.
Para tanto, recorri a história de vida e oral com documentação audiovisual em sintonia com a proposição de uma estratégia interpretativa, reflexiva, dialógica e descentralizada. Sempre no formato de placas em PVC impressas com textos e imagens que aludem sobre ofícios, maestrias e saberes-fazeres com suas sabedorias, conhecimentos e epistemologias. E os mestres sabedores da cultura popular elencam, organizam, dispõem e expõem ao redor das placas, nas salas e/ou nos espaços familiares e coletivos, os seus objetos, petrechos, símbolos e lembranças nas marcações identitárias em reconhecimentos sociais. Enquanto “pequenos museus” comunitários, sociais e coletivos, abertos ao público de moradores, estudantes, visitantes e turistas volta-se para a transmissão dos saberes-fazeres a partir dos pressupostos da memória coletiva e social mediada pela pesquisa social e com documentação audiovisual.
Em 2014 organizei, em Arraial do Cabo, a Sala Expositiva dos Mestres Sabedores da Cultura Popular em equipamento público municipal. Em 2017, em Cabo Frio, na 7º Semana Fluminense do Patrimônio, houve a exposição com as placas em PVC e com miniaturas de canoas e as apresentações orais dos mestres sabedores Arino da Silva, Harildo Francisco e Wilson Luiz da Silva (Chonca). Na 9º Semana Fluminense do Patrimônio fiz, em Nova Friburgo, a primeira oficina presencial do “Circuito dos mestres sabedores da cultura popular”. Entre 2018-2019, organizei as “Oficinas de miniatura de canoas de boçarda” ao envolver outros dez mestres sabedores da cultura popular (em particular artesãos de madeiras, memorialistas, pescadores e carpinteiros navais) para a feitura de miniatura de canoas de boçarda a partir de recurso de edital de uma empresa privada.
Essa ação, em rede do “Circuito”, está interligada ao Museu da Pesca Tradicional/Sala Expositiva Mestre Chonca, da Praia Grande. Entre 2020/2021 organizei a “Live das Quintas” do Circuito dos mestres sabedores da cultura popular com a participação dos distintos mestres. A primeira Live contou com a participação da Dona Vena (Centro Espirita Pai José do Congo); Harildo (Paiol dos Pescadores da Praia da Prainha) e Cleuzinha (Cooperativa das Mulheres Sol, Salga e Arte). A segunda Live, também, em junho, foi com o Show (Ateliê Polvo do Mar) e o Ronaldinho Fialho (Ateliê de Cultura e Turismo), a terceira Live foi com o Mestre Chonca e com a etnobotânica Viviane Kruel (JBRJ) e, ainda, a Live do pescador Moacyr (Paiol da Praia do Pontal) com a mediação da bióloga Nicky van Luijk. E, a partir de novembro de 2020 a janeiro de 2021, na 10º Semana Fluminense do Patrimônio, fiz outras “Lives públicas” sobre as oficinas do “Circuito” para interessados das regiões dos Lagos, Maricá e Serrana.
E em 2021, na 11º Semana Fluminense do Patrimônio, organizei o “encontro” para a produção do livro coletivo com os mestres carpinteiros navais Chonca e Harildo de Arraial do Cabo (RJ). A proposta da “Live das Quintas” se constitui como acervo da memória audiovisual das ações exclusivas, tanto do Museu da Pesca Tradicional/Sala Expositiva Mestre Chonca quanto do “Circuito” com acesso documental, restrito e exclusivo aos membros participantes, professores e pesquisadores associados.
Na Praia do Pontal destacam-se na paisagem os pequenos paióis, coloridos, com área externa à beira-mar para embarque e desembarque das canoas de boçarda. Estes são divididos entre 5 (cinco) proprietários e seus herdeiros. Têm um partido arquitetônico “vernacular”, constituído por um conjunto distinto de paióis enfileirados, com o predomínio de cômodos de alvenaria secionável a priori em sala, depósito, cozinha e banheiro. O paiol é o espaço de abrigo, de trabalho e de sociabilidade dos pescadores. Ao mesmo tempo é o local de depósito e de guarda, com segurança, dos petrechos de pesca. É o lugar de onde se faz e se improvisa o café e se usa o banheiro para os membros da pesca e, eventualmente, com “custos” para moradores e turistas.
Mesmo sem eletricidade, a rotina da pesca perdura diariamente no direito da vez de cada companha. Ao longo do tempo se reproduz, de geração a geração, novas sucessões – sempre renovadas e continuadas – de pescadores, redes, canoas e proprietários das companhas. Todos os “paióis”, porto das canoas e estaleiros das praias de Arraial do Cabo são considerados locais de trabalho, de memória e de sabedorias onde se reproduzem as práticas de pesca a partir das vivências e das experiências atribuídas às identidades de pescadores tradicionais, artesanais e profissionais ligados por laços de afetividade, memória, destreza, senso prático e “saberes-fazeres”, nas distintas modalidades de pesca, por território. Geralmente, os “paióis” são mais do que “barracões” em formato de alvenaria e/ou de madeira onde se guardam os petrechos de pesca e como lugar de proteção das embarcações. Por excelência os “paióis” servem como abrigo, local de segurança e de proteção patrimonial. E, eventualmente, como local de encontro familiar para o lazer. Em muitos destes locais, há sempre algum “mestre sabedor da cultura popular” – hábeis pescadores, vigias da pesca, artesãos em rede de pesca e carpinteiros navais – que dão sentido e vitalidade à pesca tradicional e aos locais de pesca.
A minha primeira consultoria na Praia do Pontal, deu-se em 2009, no projeto organizado por uma universidade pública do Rio de Janeiro, de renome, com os pescadores e moradores de Arraial do Cabo. E, entre 2011-2012, noutra consultoria, a partir de uma ONG, solicitada por uma petrolífera para produzir diagnósticos, cursos e roteiros em TBC (Turismo de Base Comunitária) envolvendo dezenas de pessoas nas comunidades da pesca, de moradores e do trade turístico de Arraial do Cabo, Armação dos Búzios e Cabo Frio. Atuei como relator das oficinas do Acordo de Gestão da RESEXMar AC/ICMbio (Reserva Extrativista Marinha de Arraial do Cabo/Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade), entre 2012-2013, junto com as analistas ambientais deste órgão, ao envolver 700 pescadores artesanais entre as várias comunidades de pescadores tradicionais, artesanais e profissionais de Arraial do Cabo. Na Praia do Pontal, por um breve período, fora realizadas as “oficinas participativas” com os donos de paiol/canoas de boçarda e demais pescadores tradicionais. Desde 2016 fora encaminhado pedido ao IPHAN-DF (processo no. 01450.003686/2016-21) para a análise da salvaguarda e da Chancela da Paisagem Cultural do território da Praia do Pontal. Até hoje, encontra-se no SEI IPHAN-RJ.
Em edital público do PNUD/ICMbio/RESEXMar AC, entre 2017-2018, fora aprovado o novo projeto de implantação com mais dez (10) novos membros/coletivos do Circuito dos mestres sabedores da cultura popular de Arraial do Cabo. Desses dez (10) novos “pequenos museus/salas expositivas”, dois (2) foram constituídos, exclusivamente, na Praia do Pontal: Um, no paiol do Moacyr Correa de Carvalho e, o outro, do falecido, por Covid-19, do Antonio Barreto Martins (Totonho). E, ao longo de 2022, no Edital de chamada emergencial de premiação Nº 06/2021 – Povos Tradicionais Presentes RJ/Governo do Estado do Rio de Janeiro/Secretaria de Estado de Cultura e Economia Criativa foi criado os novos “pequenos museus/salas expositivas” que faltavam nos três (3) paióis/companhas desta praia (Paiol do Dudu, Beto e Bitico), além da produção de dois PDF`s (manuais/documentos) e a série de vídeos sobre a Praia do Pontal que traz depoimentos dos pescadores tradicionais (alguns antigos pescadores) aonde trago, desde 2008, as imagens intercaladas do trabalho de pesquisa social, participativo e etnográfico (Cf. https://www.youtube.com/playlist?list=PL0OkJoz85_CoxT3TtwaJPxCYrcSCgWxo7). Em 2023, a Associação de Pescadores de Canoas da Praia do Pontal (APCAPP) foi certificada como Ponto de Memória do IBRAM/MINC e, em 2024, no Edital Nº 176, do EDITAL PONTOS DE MEMÓRIA 2023, o meu trabalho, como pesquisador social, junto com os pescadores de canoas de boçarda da Praia do Pontal foi um dos quarenta (40) projetos selecionados do país e premiado, com recursos do MINISTÉRIO DA CULTURA/PONTO DE MEMÓRIA.
Referências bibliográficas:
BARRETO, Paulo Sérgio (2022). “Gestos, acuidades visuais e pontos pesqueiros do território da Praia do Pontal, em Arraial do Cabo (RJ)”. Edital de chamada emergencial de premiação Nº 06/2021 – Povos Tradicionais Presentes RJ/Governo do Estado do Rio de Janeiro/Secretaria de Estado de Cultura e Economia Criativa. Projeto: O Circuito dos mestres sabedores da cultura popular da Praia do Pontal, em Arraial do Cabo (RJ). 31 págs. (mimeo).
_____________________ (2022). “Reforma da rede de arrasto de praia adaptada a pesca da tainha do território da Praia do Pontal, em Arraial do Cabo (RJ)”. Edital de chamada emergencial de premiação Nº 06/2021 – Povos Tradicionais Presentes RJ/Governo do Estado do Rio de Janeiro/Secretaria de Estado de Cultura e Economia Criativa. Projeto: O Circuito dos mestres sabedores da cultura popular da Praia do Pontal, em Arraial do Cabo (RJ). 40 páginas (mimeo).
_____________________ (2021). A pesca artesanal de canoas de boçarda em Arraial do Cabo (RJ)” defendida, recentemente, no Instituto de Psicologia/Departamento de Psicologia Social e do Trabalho da Universidade de São Paulo (USP). Https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/47/47134/tde-23062021-183324/pt-br.php.
_____________________ (2018). “A pesca de arrasto em Arraial do Cabo”. Cabo Frio: Revista Nossa Tribo, núm. 22, p. 10-11 (primeiro trimestre).
_____________________ (2018). Relatório de atividades do Circuito dos Mestres Sabedores da Cultura Popular. Relatório Final. ICMbio/RESEXMar AC. Arraial do Cabo, dezembro, 31 págs. (mimeo).
_____________________ (2015). Relatório sobre o Patrimônio Imaterial e a Chancela da Paisagem Cultural no território da pesca tradicional da Praia do Pontal, na Reserva Extrativista Marinha de Arraial do Cabo – RJ. Relatório Final. Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade – ICMbio/RESEXMar AC/PNUD – Conservação da Biodiversidade e Promoção do Desenvolvimento Socioambiental. Arraial do Cabo, 199 pág., (mimeo).
BARRETO, Paulo Sérgio e TURRINI, Jullia (2020). Os “cantos de praia” da pesca tradicional e a preservação da memória cultural na Região dos Lagos. In: Cabo Frio revisitado: a memória regional pelas trilhas do contemporâneo. (Org.). BARRETO JÚNIOR, Ivo. Cabo Frio: Editora Sophia, p. 361-394.
BARRETO, Paulo Sérgio et al. (2019). As canoas de boçarda em Arraial do Cabo (RJ). In: Árvores e madeiras na cultura naval tradicional. (Org.). MELO JÚNIOR, João Carlos Ferreira de, KRUEL-FONSECA, Viviane Stern e HANAZAKI, Natalia. Joinville (SC): Editora Univille, p. 17-50.
BARRETO, Paulo Sérgio; LASMAR, Viviane e FARIA, Rafaela (2015). Relatos das ações institucionais entre o ICMbio e demais parceiros para a salvaguarda do patrimônio cultural e natural em Arraial do Cabo. In: Paisagem, Imaginário e Narrativas. (Org.). RIBEIRO, Sandra e Araújo, Alberto. São Paulo: Editora Zagodoni, p. 218-225.
BARRETO, Paulo Sérgio et al. (2012). “Primeiro Relatório de Atividade: Mestres Sabedores da Cultura Popular”. Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade – ICMbio/RESEXMar AC, snt, Arraial do Cabo, 58 págs. (mimeo).
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