“Mais do que tratar vestígios do passado, valorizar o patrimônio é cuidar do futuro”. A frase proferida pela artista Ana Maria Pereira deu início ao IV Encontro do Patrimônio Fluminense. Além de Ana Maria, o artista paratiense Chico Furlenza também desempenhou o papel de mestre de cerimonias durante os três dias do principal evento da Semana Fluminense de Patrimônio, que tem o objetivo principal de ouvir, dialogar e propor questões atuais sobre o tema.
O debate Grandes Eventos e sua relação com a vida cotidiana teve como participantes Luis Perequê, criador do Movimento Defeso Cultural; Cristina Maseda, secretária municipal de Cultura de Paraty, e Helena Catão Henriques Ferreira, professora da Universidade Federal Fluminense. A mesa contou com a mediação do historiador do Museu de Astronomia e Ciências Afins (Mast), Luiz Carlos Borges.
Os debatedores colocaram lado a lado a questão da realização de eventos de grande porte e as grandes transformações sofridas pela cidade, como a construção da Rio-Santos, nos anos 70, e a preservação da cultura local. Em comum entre eles, a constatação de que Paraty está em um momento ideal para refletir sobre seu papel, as transformações que vem sofrendo e decidir como quer ser vista daqui por diante.
Para Cristina Maseda, não se pode negar que essas intervenções trazem benefícios – mais oportunidades de trabalho, revitalização da cidade e geração de renda. A secretária contou que os eventos chegaram aos poucos, a partir dos anos 80, e que oxigenaram a cidade: “Foi uma redescoberta de Paraty, que praticava uma antropofagia, pois pegava o que vinha de fora, adicionava tempero local e revelava um novo produto”. Por outro lado, a cidade corre o risco de ser apenas “um cenário”: “É por isso que precisamos refletir sobre quais os eventos são estratégicos e o que eles deixam de legado para a cidade”, argumentou.
Os grandes eventos surgiram para dinamizar a economia, restrita ao turismo de verão e feriados. O primeiro deles foi o festival da pinga, hoje, da cachaça. A Festa Literária Internacional de Paraty (Flip) chegou em 2003. Cristina afirmou que não se imaginava que um encontro relacionado à literatura alcançasse tanta visibilidade: “A Flip colocou Paraty no foco da mídia. Hoje, a cidade é associada à cultura”. A secretária também disse que agora é tempo de pensar estrategicamente: “devemos selecionar quais os eventos que ajudam a fortalecer a imagem de Paraty como destino cultural” e alertou: “é preciso aprender a lidar com os novos tempos e não ficar no saudosismo. A questão é como manter a nossa tradição, apesar das intervenções”.
Para a professora Helena Catão, o tema é oportuno, pois se tornou quase um consenso de que a chegada dos grandes empreendimentos sempre é benéfica para a sociedade. Um papel quase messiânico de salvar aquele local de uma estagnação econômica e social. Ela, no entanto, advertiu: “Se economicamente, o impacto foi importante, o custo também foi alto, pois houve um processo de desterritorialização, principalmente das comunidades tradicionais, com a chegada dos projetos imobiliários, estaleiros e usinas”. Helena disse que até mesmo as unidades ambientais, com a prerrogativa da preservação do meio ambiente, isolam a população.
O caminho apontado pela professora é o “exercício da percepção em relação ao tema”. Além de analisar os reais benefícios de cada intervenção ou evento, as comunidades devem ser envolvidas em todos os níveis. Para estas, é necessário desmistificar a imagem de tábua de salvação, que muitas vezes, as intervenções assumem: “Às vezes se dá muito valor ao investimento financeiro, mas esquecemos que ele também gera ônus, que pode vir a ser a seleção social das pessoas, criando guetos e promovendo mais desigualdade”, frisou.
Luis Perequê, artista paratiense, não vê problema na realização de eventos, desde que sejam de qualidade: “Não sou contra qualquer evento. A Flip, por exemplo, resolveu o grande fantasma da baixa temporada”, revelou. Perequê concordou com a secretária de cultura sobre este ser o momento certo para selecionar melhor as atividades que acontecem na cidade e de revitalizar as festas mais tradicionais, como a do Divino, que hoje, segundo o artista, ficou parecida com qualquer festa realizada pelo Brasil. “O Defeso [Cultural] tem o objetivo de fortalecer o exercício cultural ao máximo. Se conseguirmos isso pelos menos com as festas tradicionais, no sentido de se manter as características culturais, de não se imitar os eventos maiores, já seria bom”.
Como solução, Perequê sugeriu ao Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) a criação de uma salvaguarda da cultura, que significa não só registrar ou tombar o patrimônio, mas dar condições para que ele se mantenha. “O evento vai embora e fica o gramado seco. O difícil é fazer coisas que durem e que fiquem para a população”, afirmou. “Esse encontro deve ser a oportunidade de voltar a fazer o dever de casa e refletir se queremos uma cidade de turismo cultural ou de entretenimento. E esse exercício tem que ter relação com poder publico, que hoje atende mais as necessidades do empresário que as culturais”, concluiu.