“A defesa do território é a defesa da vida”

Etnia indígena Puri, "presente e resistente no território brasileiro", Ana Paula Pereira
Etnia indígena Puri, “presente e resistente no território brasileiro”, Ana Maria Pereira

O segundo dia do encontro começou com performance da artista Ana Maria Pereira inspirada na etnia indígena Puri. Em seguida, os representantes das principais tradições culturais do Brasil: o cacique e pajé, Augustinho Silva; o caiçara, Francisco Ticote Xavier Sobrinho; Vagner do Nascimento, presidente da Associação dos Moradores do Quilombo do Campinho, além do pesquisador da Escola Nacional de Saúde Pública da Fiocruz, Edmundo Gallo, formaram a mesa A realização de eventos como janela de oportunidade para a promoção e difusão das manifestações culturais das comunidades tradicionais. O debate foi mediado pela escritora Nilcemar Nogueira, do Centro Cultural Cartola.

Os representantes das principais tradições culturais do Brasil participaram do segundo dia de debate: da esquerda para a direita, o caiçara, Francisco Ticote Xavier Sobrinho; a mediadora, Nilcemar Nogueira, o cacique e pajé, Agustinho Silva; Vagner do Nascimento, do Quilombo do Campinho, além do pesquisador, Edmundo Gallo.
Os representantes das principais tradições culturais do Brasil participaram do segundo dia de debate: da esquerda para a direita, o caiçara, Francisco Ticote Xavier Sobrinho; a mediadora, Nilcemar Nogueira, o cacique e pajé, Agustinho Silva; Vagner do Nascimento, do Quilombo do Campinho, além do pesquisador, Edmundo Gallo.

O cacique Augustinho da Silva, de 95 anos, comemorou a primeira vez que é chamado para participar de um encontro dessa natureza: “Estou contente, pois estou aqui como cidadão”. Natural de Santa Catarina, mas há 26 anos no estado do Rio de Janeiro, Agustinho também é pajé da Aldeia Araponga, em Paraty. Ele defendeu uma maior interação, principalmente das lideranças políticas com a comunidade indígena. “Decidi não votar, nem esperar mais pelas promessas que são feitas na época das eleições. Não importa quem vai ganhar, [a pessoa] tem que vir aqui, saber das nossas dificuldades”, ressaltou. Entre as principais necessidades relacionadas por Augustinho estão a educação, postos de saúde, e a preservação do território indígena.

“Estou contente, pois estou aqui como cidadão". Augustinho da Silva
“Estou contente, pois estou aqui como cidadão”. Augustinho da Silva

Pra Francisco Ticote, o principal item de reflexão também é a manutenção do território. Sexta geração de caiçaras, Ticote é responsável pelo Instituto de Permacultura e Educação Caiçara, que tem como objetivo ensinar saberes e técnicas tradicionais de construção na comunidade costeira do Pouso da Caraíba. Ele faz parte de um grupo de cerca de 97 famílias, descendentes de europeus, índios e negros, que tentam preservar tradições como a pesca e a agricultura: “Até hoje não temos energia elétrica.Escolas, só de primeiro a quinto ano, o que não é suficiente”, afirmou.

Ticote disse que as próximas gerações não vão conseguir manter as tradições, se não tiverem seu território preservado. Ele conta que desde a década de 1950, as comunidades vêm sendo afastadas do seu local pela especulação imobiliária e por grandes intervenções, como a Rio-Santos, já nos anos 1970. Hoje, as pressões também vêm por meio das ações das unidades de conservação ambiental que, com a prerrogativa da preservação da natureza, veda aos caiçaras a utilização do seu território. “Ser caiçara é aprender a utilizar técnicas e tecnologias para se adaptar ao ambiente. Podemos aprender a não derrubar mais árvores para fazer canoas, por exemplo, mas o território é nosso maior patrimônio. Sair dele é perder a identidade”.

"... mas o território é nosso maior patrimônio. Sair dele é perder a identidade" (Francisco Ticote)
“… mas o território é nosso maior patrimônio. Sair dele é perder a identidade” (Francisco Ticote)

Sobre a questão dos eventos, Ticote, fez uma pergunta: “O que vale um evento literário, por exemplo, em um lugar onde a educação é sucateada?” Wagner do Nascimento, presidente da Associação dos Moradores do Quilombo do Campinho, concordou com o caiçara de que esta é a oportunidade de refletir também sobre esse assunto. Fundador do Fórum de Comunidades Tradicionais Indígenas, Quilombolas e Caiçaras de Angra dos Reis, Paraty e Ubatuba, Vaguinho, como é conhecido, assumiu que os eventos trazem benefícios, mas questionou: É bom, mas é bom pra quem? Os empresários ganham, os políticos ganham, e o que fica para nós? Para a juventude de Paraty?”

Vaguinho disse acreditar que este é o momento ideal para o Encontro Fluminense do Patrimônio estar sediado em Paraty: “Sinto falta apenas da presença das lideranças políticas locais, quando os temas tão importantes”. Para ele, a questão do patrimônio também é crucial nesse debate: “Sem território, não temos povo, não temos cultura, pois a cultura é patrimônio vivo, nosso estilo de vida”. E alertou: “Se não fizermos essas reflexões agora, essas comunidades vão sumir, vão se extinguir.”, afirmou.

“Se não fizermos essas reflexões agora, essas comunidades vão sumir, vão se extinguir.” (Wagner Nascimento)
“Se não fizermos essas reflexões agora, essas comunidades vão sumir, vão se extinguir.” (Wagner Nascimento)

Para sensibilizar o maior número de pessoas sobre os conflitos vividos pelas comunidades tradicionais e fortalecer a resistência desses povos, o Fórum lançou no último dia 16 de maio, a campanha Preservar é Resistir – em defesa dos territórios tradicionais. “A iniciativa foi pensada para dar mais visibilidade as nossas ações.  O objetivo é dialogar de forma diferente com a sociedade, mostrando a nossa diversidade cultural, nosso modo de ser e de viver”, explicou Vaguinho.

Edmundo Gallo, responsável há cinco anos pelo Observatório de Territórios Sustentáveis e Saudáveis da Bocaina, disse que há uma ideia enraizada na sociedade de que a ciência é boa para todos: “O interlocutor sempre fala sob um ponto de vista, uma visão de mundo. Geralmente, como representante da forma de dominação hegemônica vigente. Não existe conhecimento científico sem uma visão de mundo particular”, pontuou.

"Para essas comunidades, a defesa do território é a defesa da vida", (Edmundo Gallo)
“Para essas comunidades, a defesa do território é a defesa da vida”, (Edmundo Gallo)

O pesquisador salientou que os cientistas têm responsabilidade de produzir um conhecimento mais crítico. Muitas vezes, a sociedade em geral, que lida com o valor de troca, de capital, não entende as sociedades tradicionais, em que o valor é a vida. “O grande desafio é que haja uma compreensão de que uma forma de viver não é menos importante do que a outra”, ressaltou Gallo e completou: “Para essas comunidades, a defesa do território é a defesa da vida. De uma vida em que não se vive só pela ótica do capital, mas de forma mais solidária”.