A quem os eventos beneficiam? Essa questão permeou o debate da segunda mesa do Encontro do Patrimônio Fluminense. Tendo como exemplo a Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), um dos eventos que mais reúne turistas e visitantes, discutiu-se o paradoxo dos aspectos positivos e negativos que tais movimentações trazem à cidade.
O arquiteto Mauro Munhoz, criador da Associação Casa Azul, e diretro-geral da Flip, mostrou o que ele chamou de “aspectos menos visíveis do trabalho que a Flip faz”. Segundo ele, a iniciativa nasceu de uma necessidade de movimentar a economia de Paraty, fora do turismo de veraneio: “[Esse tipo de turismo] traz menos benefícios do que ajuda a atender as demandas de política pública, levando a, inclusive, o aparecimento de mazelas, como a violência, por exemplo”, ressaltou Munhoz.
O arquiteto também fez um paralelo entre a Paraty constituída no século XIX e a Paraty moderna. No passado, a cidade tinha espaços de uso coletivos em equilíbrio com aqueles de uso privado. Até mesmo as ruas foram construídas de modo a estabelecer um diálogo entre as aguas e o espaço construído. O vazio era mais importante que o cheio: “A economia do turismo trouxe uma ilusão. Por isso, a ideia de se criar uma economia que não fosse só de veraneio, que tivesse a ver com a cultura de Paraty.
Segundo Munhoz, a Flip foi criada respeitando o ambiente de uso coletivo – espaços abertos, acesso livre sem ingresso, programação especial na periferia da cidade e respeito ao patrimônio material e imaterial. Para isso, citou as atividades ligadas à Flipinha, braço ligado ao público infanto-juvenil: “Tentamos passar para as crianças o potencial da dimensão cultural, com trabalhos escolares ligados aos autores homenageados daquele ano, por exemplo” E sublinhou: “Capacitamos as pessoas da cidade para organizar os eventos para que a o controle fosse dos paratienses”.
Pescador, artista plástico, líder comunitário e escritor, o caiçara Almir Tã é nascido e criado na Ilha do Araújo, em Paraty. Durante o debate, Almir apontou o turismo desordenado como o quinto ciclo econômico de Paraty e afirmou que as comunidades tradicionais enfrentam muitos problemas com isso: “a especulação imobiliária aumentou e cada casa de caiçara que é vendida é menos um para preservar a tradição”.
Ele também faz um alerta: “Tenho dois filhos que trabalham na pesca, mas daqui a cinco ou dez anos é o pescador que estará em extinção. Os nossos filhos não querem mais trabalhar com a família. Todos querem ir para a cidade à procura desse turismo que cresce. Nada contra trabalhar em outras frentes, mas deve haver algum modo de preservar a ocupação tradicional”.
Em relação aos grandes eventos, Almir cobrou que eles beneficiem mais as comunidades que não vivem no centro histórico: “A Flip é um shopping de compra e venda de livros que dinamiza o comércio de Paraty, mas o meu camarão não aumentou, o meu peixe não aumentou. Só o restaurante e a pousada é que aumentaram o preço”, explicou. O caiçara também deu uma sugestão: “Por que na hora de pedir patrocínio, não se pensa em apoiar também as necessidades das comunidades que vivem em Paraty? Poderíamos pensar daqui para diante em como fazer uma Flip com sustentabilidade para os moradores”, concluiu.
O cientista social e antropólogo Alexandre Corrêa disse que sua tarefa seria tentar entender a lógica social existentes nas tensões. Ele explicou que a comemoração é uma das máquinas mais atuantes na sociedade e que ao cientista caberia pesquisar sobre os impactos diretos e indiretos desses eventos comemorativos. Traçando um paralelo com a Copa do Mundo recentemente realizada no Rio de Janeiro, Corrêa discutiu sobre turismo, economia e capitais simbólicos.
O cientista social expôs alguns dados sobre o turismo brasileiro durante a Copa: “Pessoas de 213 países aportaram durante o evento, mais ou menos 6 milhões de visitantes. 95% gostariam de voltar. Foi publicado inclusive um artigo em jornal espanhol exaltando a simpatia e hospitalidade do povo brasileiro, chamada de cartada única”, afirmou. No entanto, segundo Correa, nosso turismo é mais fraco que o realizado em países menores como Itália e França e até mesmo na América do Sul, que não são tão famosos pelo acolhimento como nós.
Corrêa disse que a incógnita reside justamente no paradoxo: “Será que a simpatia e hospitalidade do brasileiro não se conservam exatamente porque não temos um grande fluxo de turismo? É possível que o capital simbólico se desgaste?” Ele defendeu que em Paraty os espaços tradicionais devem ser devolvidos para as comunidades a que pertencem: “É isso que vai promover a valorização do patrimônio material e imaterial, que vai preservar a simpatia o acolhimento o calor humano”.
A preocupação do Instituto Estadual do Patrimônio Cultural (Inepac) é com o tombamento natural, pois o evento muitas vezes altera questão cultural, natural e até histórica, que é o mais perigoso. Segundo Sérgio Linhares, Diretor de Pesquisa e Documentação do órgão, atrair gente, de qualquer maneira, turismo ou evento, traz benefícios e problemas: “qualquer evento é bem-vindo, desde que esteja integrado com a comunidade com a qual vai lidar e comprometido em manter ambiente e paisagem cultural do povo que mora aqui”, concluiu.