As polêmicas que envolvem a prática do grafite nos muros da cidade e as tentativas do poder público e de setores de sociedade civil de proibir e criminalizar tal manifestação artística e cultural foram temas de debate no VII Encontro do Patrimônio Fluminense, realizado na Casa de Cultura Charitas, em Cabo Frio, na última quinta-feira (13/11). Com a mediação de Marcos Gonzalez, do Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro (JBRJ), a mesa-redonda trouxe reflexões sobre Arte, cidade e patrimônio, tema central escolhido para a edição deste ano da VII Semana Fluminense de Patrimônio.
Professora dos Programas de Pós-Graduação em Antropologia Social do Museu Nacional, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e em Cultura e Territorialidades, da Universidade Federal Fluminense (UFF), Adriana Facina saudou a importância do debate. “Infelizmente o grafite ainda é tratado como uma arte menor, marginalizada, como se ele não fosse parte das novas estéticas urbanas”, disse a antropóloga. Estudiosa das manifestações culturais da periferia, como o funk, Adriana Facina falou sobre a “cultura de sobrevivência” que caracteriza essa produção artística. “As dificuldades viram fermento criativo. São esses coletivos culturais das periferias brasileiras que estão inventando novas formas de fazer arte. São formas autônomas e de ressignificação da vida, às vezes difíceis de compreender para quem não é deste universo”, avaliou.
Convidada para a mesa-redonda, a grafiteira de Cabo Frio Bia Vieira, integrante do coletivo Tá Na Rua Graffiti, explicou as características do seu trabalho, que desde 2010 ilustra os muros da região com bonecas, crianças, mulheres e personagens da cultura pop. “Normalmente eu vario entre o free-style e algo que se aproxima muito do realismo. Eu procuro mostrar, através do meu desenho, a realidade das mulheres. Eu busco sempre o contraste da delicadeza e da força feminina”, explicou. Ao lado de seu companheiro, Cristiano Cardoso, conhecido como “Ousado” no Tá Na Rua Graffiti, Bia Vieira também falou de como o grafite transformou a sua própria trajetória. “O grafite mudou muita coisa na minha vida. Antes eu era uma pessoa muito tímida e muito calada. Essa experiência com o grafite me ensinou a expor aquilo que eu penso”, explicou a artista.
Pesquisador em arte urbana e curador do Instituto de Pesquisa e Memória Pretos Novos (IPN), Marco Teobaldo também ressaltou a oportunidade rara de relacionar grafite e patrimônio e comentou as dificuldades de trabalhar com a arte urbana nas grandes cidades brasileiras. “O grafite é uma tatuagem dos grandes centros urbanos. A gente precisa cuidar dessa pele e esse cuidado vale para todo o patrimônio público, que a gente vê descuidado, maltratado”, disse. Entre outras ações de valorização dos artistas de rua, o pesquisador e curador destacou a primeira oficina de grafite exclusivamente para o público trans no Brasil, realizada em uma escola da periferia de Brasília. “Isso nunca tinha acontecido antes. O Brasil é machista e o grafite só reflete o que a sociedade brasileira é na verdade. As mulheres vêm conquistando participação cada vez maior no grafite, mas faltava uma oportunidade direcionada ao público trans. A partir dessa experiência, foi criado o primeiro coletivo trans de grafite no mundo”, revelou Marcos Teobaldo, ressaltando o poder mobilizador e inspirador da arte urbana.