Fruto da ‘II Semana Fluminense de Patrimônio (SFP)’, realizada no ano de 2012, o projeto “Circuito dos Mestres Sabedores da Cultura Popular” foi construído coletivamente, a partir de um trabalho de pesquisa social/consultoria com pescadores tradicionais e “Mestres Sabedores” – pescadores, quilombolas, maricultores, rezadeiras, rendeiras, artesãos, trabalhadores do sal, seresteiros e membros de folguedos, nas cidades de Arraial do Cabo, Armação dos Búzios e de Cabo Frio, Região dos Lagos, no Rio de Janeiro. O projeto desenvolve ações e estratégias de reconhecimento e de visibilidade, junto às instituições culturais e profissionais locais e regionais, com o objetivo de incentivar diálogos e trocas de saberes-fazeres entre os distintos “Mestres Sabedores” com moradores, visitantes e turistas, garantindo visibilidade, reconhecimento e salvaguarda do patrimônio material e imaterial. Sociólogo e doutorando em Psicologia Social pela Universidade de São Paulo (USP), Paulo Sérgio Barreto, um dos responsáveis pela iniciativa, falou sobre o projeto e a valorização do patrimônio cultural.
1) O que é o ‘Circuito dos Mestres Sabedores da Cultura Popular’ e a quem atende?
Paulo Sérgio Barreto: O “Circuito dos Mestres Sabedores da Cultura Popular” busca trabalhar com os saberes e os fazeres tradicionais com a perspectiva de salvaguardar o patrimônio cultural material e imaterial de forma descentralizada. No âmbito do projeto, “Museus/Salas Expositivas”, localizados nas casas, ateliês, coletivos, oficinas e espaços de trabalhos, como, por exemplo, nos paióis dos pescadores artesanais de “canoas de boçardas” da cidade de Arraial do Cabo, na Região dos Lagos. Além disso, a iniciativa atua na educação patrimonial para moradores (em particular, para estudantes), visitantes e turistas. Este “Circuito” visa gerar trabalho e renda, através do TBC – Turismo de Base Comunitária, com foco na salvaguarda do patrimônio cultural e no desenvolvimento local.
2) Nos conte um pouco desta história e as principais atividades desenvolvidas ao longo destes anos?
Paulo Sérgio Barreto: A proposta do “Circuito dos Mestres Sabedores da Cultura Popular” foi apresentada inicialmente e originariamente na II Semana Fluminense do Patrimônio, em agosto de 2012, com apoio do PNUD/ICMBio e executada em vários formatos expositivos na Semana Fluminense do Patrimônio. Este encontro, foi um marco regional para os distintos “Mestres Sabedores” ao subsidiar as políticas públicas em Educação Patrimonial e Educação Ambiental para as instituições culturais e de ensino das cidades de Arraial do Cabo (AC), Cabo Frio (CF), Armação dos Búzios (BZ) e São Pedro da Aldeia (SP). Em formato de narrativas e depoimentos, os distintos “Mestres Sabedores” (pescadores, quilombolas, maricultores, rezadeiras, rendeiras, artesãos, trabalhadores do sal, seresteiros e membros de folguedos) estabeleceram, à época, com o público local e regional e, em particular, com os estudantes, professores, moradores, visitantes, turistas e interessados os conhecimentos dos detentores dossaberes tradicional.
Houve, ainda, a exposição itinerante sobre os “Mestres Sabedores” nas cidades, acima, referidas, e os mesmos, receberam cópias do banner, em PVC, de textos concisos e com imagens aludindo sobre os saberes-fazerem. Em 2013 organizou-se, em Arraial do Cabo, a “Sala Expositiva” dos “Mestres Sabedores da Cultura Popular” em equipamento público municipal. De 2014-2015 realizou-se as “oficinas de canoas de boçarda”, na Praia Grande, em acordo de cooperação entre o Escritório Técnico da Região do Lago do IPHAN e a RESEXMar AC/ICMBio. Nesta oficina, de longa duração, fez-se o registro audiovisual e documental do oficio de carpintaria naval com a participação oral de antigos moradores e pescadores e na participação nas oficinas de filhos de pescadores, mulheres e alunos do IFRJ – Instituto Federal do Rio de Janeiro.
Em 2016, foi inaugurado o Museu Escola Naval/Sala Expositiva Mestre Chonca, na Praia Grande, com ênfase na memória oral e na salvaguarda da pesca tradicional realizada por “canoas de boçarda”. Em 2017, em Cabo Frio, na Semana Fluminense do Patrimônio, houve a exposição de banner, de miniaturas de canoas e apresentação oral de alguns “Mestres sabedores”. De 2018 até o momento atual, se constituíram dez (10) “pequenos museus/salas expositivas”, alguns a céu aberto, nas casas, ateliês, cooperativa de mulheres, espaços coletivos e paióis dos pescadores nas praias da cidade de Arraial do Cabo.
3) Qual a importância do Projeto no sentido de reforçar a identidade local e promover a valorização do patrimônio local?
Paulo Sérgio Barreto: Os “Mestres Sabedores da Cultura Popular” são reconhecidos, valorizados e “certificados” como àqueles que possuem conhecimentos, habilidades, práticas, ofícios, maestrias e capacidades de transmitir, através da oralidade e do “saber-fazer”, as experiências e as vivências para os novos aprendizes visando à formação, a transmissão e o aprendizado para o público de estudantes (adolescentes, jovens e mulheres), moradores, visitantes e turistas. A perspectiva é de reconhecer direitos, com visibilidade pública, e, de estimular a resistência, a autoestima, a salvaguarda e à transmissão dos saberes tradicionais enquanto patrimônio cultural coletivo, comum e herdado.
Desta forma, buscamos minimizar as dificuldades de encontrar substitutos para os “Mestres Sabedores da Cultura Popular” que, muitas vezes, é resultado da falta de visibilidade, reconhecimento social, apoio e vontade política em propiciar as condições financeiras e de estímulos para a valorização e salvaguarda do patrimônio material e imaterial e a defesa e salvaguarda dos territórios da pesca tradicional, entre outros.
4) Quais os tipos de ações desenvolvidas para dar visibilidade ao Projeto? Você atua como a ideia de Museu a Céu aberto. Pode falar mais sobre isso?
Paulo Sérgio Barreto: O “Circuito dos Mestres Sabedores da Cultura Popular” toma como pressupostos conceituais a Nova Museologia que enfatiza as formas descentralizadas, construtivas, participativas e dialógicas; os vínculos aos lugares e aos sentidos de pertencimentos; a preservação e sustentabilidade do patrimônio natural e cultural e, por fim, a continuidade e sustentabilidade dos modos, saberes e fazeres, em particular, da pesca tradicional. Esta proposta volta-se à salvaguarda, preservação, reconhecimento, valorização e visibilidade dos “saberes-fazeres” relacionados à pesca tradicional sobretudo as questões relativas à memória coletiva, aos vínculos, pertencimentos e a preservação do patrimônio cultural local. Para tanto, o “Circuito” está organizado enquanto “pequenos museus/salas expositivas” – a céu aberto – nas casas, oficinas, ateliês, espaços culturais e paióis, entre outros. Clique aqui e saiba mais sobre a estrutura.
5) Há, no âmbito do Projeto, um trabalho de registro de história oral e de vida. Como funciona e qual o objetivo dessa atividade?
Paulo Sérgio Barreto: O trabalho consiste em reconhecer os “saberes-fazeres” tradicionais enquanto espaço de resistência cultural na construção das memórias dos lugares, das práticas, dos ofícios e das maestrias com os seus sentidos e significados de pertencimentos, vínculos e afetos. Após a identificação e reconhecimento social dos indivíduos e/ou grupos sociais, volta-se para a produção, registro e documentação dos relatos e das narrativas plurais com o objetivo de interpretar o patrimônio cultural e natural no escopo da metodologia da história oral e da história de vida.
Todo o trabalho de documentação audiovisual e de registro fotográfico tem como pressuposto a pesquisa social com a produção de visitas periódicas visando o inventário, o registro e a curadoria da “sala expositiva” trazendo elementos simbólicos dos “saberes-fazeres” e estimulando a produção das oficinas e das trocas de saberes e de conhecimentos (“Contador de causos”; “Confecção e produção de artesanato de miniaturas de canoas de boçarda”; “oficina de biojoias”, “culinária tradicional” etc.). Bem como, estimular a venda de serviços e produtos feitos, pelos mesmos, com foco em TBC.
6) Gostaria que destacasse a relação entre o ‘Circuito dos Mestres Sabedores da Cultura Popular’ e o tema da SFP 2019 ‘Patrimônio e sociedade: do local ao mundial’.
Paulo Sérgio Barreto: Acredito que o patrimônio cultural só faz sentido e têm significados entre gerações quando os “Mestres Sabedores” são reconhecidos para salvaguardarem os “saberes-fazeres”, além das expressões das manifestações artísticas e culturais, plurais e únicas, vivificadas e experimentadas no cotidiano local. A estratégia do ‘Circuito dos Mestres Sabedores da Cultura Popular’ é de salvaguarda, reconhece e dá visibilidade política aos que sempre estiveram invisíveis e excluído na sociedade brasileira.
A proposta atual do “Circuito”, a partir de 2019, conta com a participação da socióloga Jullia Turrini (Mestra em Educação pela UFF – Universidade Federal Fluminense – Niterói-RJ). Vem sendo, também, acompanhado pela estudante Mônica Teixeira de Aguiar na sua pesquisa de pós-graduação, em andamento, como o tema “Circuito Mestres Sabedores da Cultura Popular de Arraial do Cabo: Natureza, Cultura e Comunidade” no curso de Pós-Graduação em Ciências Ambientais na Zona Costeira do IFRJ – Instituto Federal do Rio de Janeiro (Campus Arraial do Cabo).